O nome Tales de Mileto ecoa como um marco fundamental na história do pensamento ocidental, sendo frequentemente aclamado como o pioneiro da filosofia grega. Sua vida e obra, ainda que permeadas por lacunas, delineam a transição do mito para a razão.
Este antigo pensador jônico, além de filósofo pré-socrático, foi um matemático grego e astrônomo, cujas contribuições lançaram as bases para o estudo do cosmos e da natureza.
O que você vai ler neste artigo:
A origem de Tales de Mileto e seu contexto histórico
Nascido por volta de 624 a.C. em Mileto, uma próspera cidade-estado grega na Ásia Menor (atual Turquia), Tales de Mileto emergiu em um período de intensa efervescência cultural e comercial. Sua cidade natal era um epicentro de trocas, não apenas de mercadorias, mas também de ideias, o que certamente influenciou sua mente inquisitiva. Acredita-se que Tales de Mileto tenha vivido até cerca de 546-547 a.C., dedicando-se a diversos campos do saber e participando ativamente da vida política local.
A respeito de sua ancestralidade, relatos antigos sugerem origens fenícias, com ligações a figuras mitológicas como Cadmo e Agenor. No entanto, outras fontes o apresentam como um cidadão de Mileto de linhagem nobre, o que reforça sua importância na sociedade jônica da época. A falta de escritos originais de Tales de Mileto torna sua biografia um mosaico construído a partir de narrativas posteriores, muitas vezes mesclando fatos históricos com lendas e interpretações de autores como Heródoto e Diógenes Laércio.
Sua formação, conforme as fontes indicam, não se limitou ao ambiente grego. Há fortes evidências de que Tales de Mileto viajou extensivamente, adquirindo conhecimento em centros avançados de civilização, como o Egito e a Babilônia. Nessas viagens, ele teria estudado com sacerdotes egípcios e sábios babilônios, absorvendo seus métodos e registros detalhados em geometria e astronomia. Essa absorção de saberes orientais foi crucial para o desenvolvimento de suas próprias teorias e inovações.
Além de suas facetas intelectuais, Tales de Mileto demonstrou perspicácia política, defendendo a união das cidades jônicas para resistir às crescentes pressões externas. Sua influência não se restringiu apenas ao pensamento abstrato, mas também à esfera prática, contribuindo para a organização social e política de sua região em um período de grandes transformações.
Um resumo das principais datas associadas à vida de Tales de Mileto oferece uma linha do tempo aproximada de sua existência e feitos:
Evento | Ano aproximado |
---|---|
Nascimento em Mileto | c. 624 a.C. |
Previsão do eclipse | 585 a.C. |
Falecimento | c. 546–547 a.C. |
A busca pelo arché: o legado filosófico de Tales de Mileto
A contribuição mais célebre de Tales de Mileto para a filosofia antiga reside em sua proposição de que a água é o princípio fundamental, ou arché, de todas as coisas. Ao questionar a origem e a substância do universo sem recorrer a explicações míticas ou divinas, ele marcou uma ruptura paradigmática, inaugurando o pensamento racional e científico. Para Tales de Mileto, a água não era apenas um elemento, mas a essência primordial da qual tudo se originava e para a qual tudo retornava, permeando a existência e a vitalidade do mundo.
Essa ousada hipótese, que parece simples à primeira vista, representou um salto gigantesco na história da filosofia. Em vez de atribuir a criação a deuses antropomórficos, Tales de Mileto procurou uma explicação naturalista, uma única substância material que pudesse explicar a diversidade do cosmos. Ele observava a ubiquidade da água na natureza – presente na chuva, nos rios, na umidade dos alimentos e até no processo vital – e sua capacidade de se transformar em diferentes estados, como gelo e vapor, reforçando sua convicção.
O conceito de arché introduzido por Tales de Mileto estimulou uma linha de investigação que seria continuada por outros filósofos pré-socráticos de Mileto, como Anaximandro e Anaxímenes, cada um propondo seu próprio princípio fundamental. Essa busca por uma causa primeira e material do universo é um dos pilares da filosofia ocidental e diferencia o pensamento de Tales de Mileto das narrativas mitológicas que o precediam.
Sua filosofia também é lembrada por sua afirmação de que “tudo está cheio de deuses”, uma ideia que, para alguns intérpretes, pode ser vista como uma forma de animismo ou panpsiquismo. No entanto, é mais provável que Tales de Mileto estivesse sugerindo que a matéria, especialmente a água, possuía uma espécie de vitalidade ou capacidade de movimento intrínseca, sem a necessidade de uma força externa para animá-la. Isso se alinha com sua busca por explicações imanentes para os fenômenos naturais, em vez de recorrer a intervenções divinas externas.
O gênio de Tales de Mileto na astronomia e geometria
A genialidade de Tales de Mileto não se restringiu à filosofia; ele foi um notável astrônomo e matemático grego, cujas contribuições foram revolucionárias para sua época. Um dos feitos mais famosos atribuídos a ele é a previsão de um eclipse solar em 585 a.C. Esse evento, documentado por Heródoto, consolidou sua reputação como um sábio e um estudioso da natureza. Embora os métodos exatos de sua previsão sejam debatidos – provavelmente baseados em conhecimentos cíclicos babilônicos adaptados – o fato de ter feito tal previsão demonstra seu profundo entendimento dos movimentos celestes.
No campo da geometria, Tales de Mileto é creditado com descobertas fundamentais, marcando o início da geometria dedutiva. Ele é conhecido por uma série de teoremas que levam seu nome, incluindo:
- O Teorema de Tales (ou Teorema da Proporcionalidade): Que afirma que se duas retas paralelas são cortadas por retas transversais, os segmentos determinados nas transversais são proporcionais.
- O Teorema do Triângulo Retângulo na Circunferência: Que postula que qualquer ângulo inscrito em um semicírculo é um ângulo reto.
- A determinação da altura de pirâmides a partir da sombra, comparando-a com a sombra de uma vara de tamanho conhecido.
- O cálculo da distância de navios no mar, utilizando princípios de triangulação.
Essas contribuições geométricas, aprendidas e desenvolvidas a partir de seus estudos no Egito, onde a geometria tinha um caráter mais prático e empírico, foram transformadas por Tales de Mileto em um sistema mais abstrato e dedutivo. Ele foi possivelmente o primeiro filósofo a introduzir a ideia de prova matemática, buscando a descoberta científica através da demonstração lógica das verdades geométricas, em vez de apenas a observação prática.
Sua aplicação do conhecimento astronômico e geométrico em situações práticas, como a previsão de boas colheitas de azeitonas para investir em lagares – uma anedota famosa que destaca sua perspicácia – ilustra a interseção de seu intelecto filosófico e prático. Tales de Mileto não apenas teorizava sobre o mundo, mas também o compreendia e o manipulava através de sua inteligência.
O reconhecimento de Tales de Mileto: um dos sete sábios
A sabedoria de Tales de Mileto foi amplamente reconhecida na antiguidade, o que o levou a ser reverenciado como um dos sete sábios da Grécia. Este título honorífico era concedido a pensadores, legisladores e estadistas que se destacavam por sua inteligência prática, moralidade e profundo conhecimento. A inclusão de Tales de Mileto nesse seleto grupo sublinha sua importância cultural e intelectual, não apenas como um filósofo, mas como um modelo de virtude e sabedoria cívica.
Cada um dos sete sábios era associado a uma máxima ou a um preceito moral, e a Tales de Mileto é frequentemente atribuída a frase “Conhece-te a ti mesmo” (embora também seja associada a Sócrates e ao Oráculo de Delfos) ou “Nada em excesso”. Essas máximas refletem a busca por equilíbrio, autoconhecimento e moderação, valores centrais no pensamento grego antigo. A sabedoria de Tales de Mileto era vista como uma fusão de conhecimento teórico e prático, capaz de guiar a conduta humana.
O legado de Tales de Mileto transcendeu sua própria vida, influenciando gerações de pensadores. Sua abordagem racional para entender o cosmos abriu caminho para toda a tradição filosófica ocidental, estabelecendo um novo modo de inquirir sobre a realidade. Ele é, sem dúvida, uma figura colossal na transição do pensamento mítico para o racional, um verdadeiro primeiro filósofo que ousou procurar respostas no próprio mundo, e não além dele.
Embora não tenhamos seus escritos originais, a influência de Tales de Mileto é inegável, reverberando nas obras de Aristóteles, que o considera o fundador da filosofia natural, e em muitos outros filósofos e cientistas que vieram depois dele. Ele não apenas iniciou a filosofia, mas pavimentou o caminho para a ciência como a conhecemos, buscando ordem e inteligibilidade em um universo que, para muitos, ainda era governado por caprichos divinos. A figura de Tales de Mileto permanece um farol de curiosidade intelectual e pioneirismo.
Referências
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KIRK, G. S.; RAVEN, J. E.; SCHOFIELD, M. Os Filósofos Pré-Socráticos: Uma História Crítica com uma Seleção de Textos. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983.
LLOYD, G. E. R. Early Greek Science: Thales to Aristotle. New York: W. W. Norton, 1970.
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NETTLESHIP, R. L. Lectures on the Republic of Plato. London: Macmillan, 1901.
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STRAUSS, L. Liberalism Ancient and Modern. New York: Basic Books, 1968.
“Thales of Miletus”. Encyclopædia Britannica, 2024. Disponível em: https://www.britannica.com/
“Thales of Miletus”. Internet Encyclopedia of Philosophy (IEP), [s.d.]. Disponível em: https://iep.utm.edu/
“Thales of Miletus”. World History Encyclopedia, 2024. Disponível em: https://www.worldhistory.org/
Perguntas frequentes
Tales de Mileto, nascido por volta de 624 a.C. em Mileto, é amplamente reconhecido como o primeiro filósofo pré-socrático e uma figura seminal na história da filosofia ocidental. Além de filósofo, ele foi um notável matemático, físico e legislador, inaugurando uma nova forma de pensar sobre o universo.
Entre suas contribuições mais célebres, Tales propôs a água como o princípio fundamental (arché) de todo o universo material. Ele também é creditado por ter previsto um eclipse solar em 585 a.C., um feito impressionante para a época, e por importantes avanços na geometria, com teoremas que levam seu nome.
Tales viajou extensivamente para o Egito e a Babilônia, onde se aprofundou em geometria e astronomia. Ele aprendeu com sacerdotes egípcios e babilônios, assimilando seus métodos e registros detalhados dessas ciências, o que demonstra uma busca ativa por conhecimento além das fronteiras gregas.
Não há escritos originais de Tales que tenham sobrevivido até os dias atuais. O conhecimento sobre sua vida e suas ideias foi transmitido principalmente através de relatos posteriores de historiadores e filósofos como Heródoto e Diógenes Laércio, que compilaram informações, por vezes misturando fatos com lendas.
Perfil
Tales de Mileto
Falecimento: c. 546 a.C. – Mileto, Jônia (atual Turquia)
Ocupações e Títulos
Fontes e Referências
Enciclopédias e Filosofia
Bases de Dados Acadêmicas
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