A trajetória de Euclides da Cunha é um capítulo fundamental na história intelectual brasileira, marcando a literatura e o pensamento social do país com uma obra de inegável profundidade. Sua vida, entrelaçada com os eventos políticos e sociais de sua época, culminou na criação de um dos livros mais importantes já escritos em português.
Este brilhante escritor brasileiro, engenheiro e jornalista capturou a complexidade do Brasil interiorano, revelando aspectos da nação que até então permaneciam ocultos ou ignorados pela elite litorânea. Sua obra-prima reverberou internacionalmente, firmando Euclides da Cunha como uma figura imponente da literatura brasileira.
O que você vai ler neste artigo:
A formação de Euclides da Cunha e seus primeiros passos
Nascido em 20 de janeiro de 1866, em Cantagalo, Rio de Janeiro, Euclides da Cunha teve uma infância marcada por perdas familiares e constantes mudanças. De ascendência portuguesa por parte dos avós, sua formação foi essencialmente militar e técnica, o que influenciaria profundamente sua visão de mundo e seu estilo de escrita. Iniciou seus estudos na Escola Politécnica em 1885 e, posteriormente, ingressou na Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio, em 1886.
Sua passagem pela instituição militar não foi isenta de atritos. Em 1888, foi expulso da Escola Militar por participar de um ato de protesto contra o Ministro da Guerra, Tomás José Coelho de Almeida, figura do último gabinete conservador do Império Brasileiro. Esse episódio demonstrava sua postura crítica e seu engajamento com as questões políticas do país em um período de transição da Monarquia para a República.
Reintegrado à Escola Militar em 1889, ano da Proclamação da República, Euclides da Cunha continuou seus estudos e foi admitido na Escola de Guerra em 1891. No entanto, sua vocação estava além das patentes militares. Em 1896, decidiu desligar-se do Exército para dedicar-se à engenharia civil, buscando uma carreira que lhe permitisse explorar e entender o território brasileiro de forma mais direta. Essa decisão seria crucial para o que viria a seguir.
A Guerra de Canudos e o nascimento de Os Sertões
O ano de 1897 marcou um ponto de virada na vida de Euclides da Cunha. Atuando como correspondente de guerra para o jornal O Estado de S. Paulo, ele acompanhou de perto a Guerra de Canudos, na Bahia, um conflito sangrento entre as forças do governo republicano e os sertanejos liderados por Antônio Conselheiro. Entre 7 de agosto e 1º de outubro, Euclides da Cunha esteve no coração do sertão, testemunhando a brutalidade do confronto e a realidade de um povo marginalizado.
A experiência em Canudos foi tão impactante que se tornou a base para sua obra-prima, Os Sertões, publicada em 1902. Este livro, considerado um pilar do pré-modernismo no Brasil, transcende a mera crônica de guerra. É uma análise multifacetada que explora a geografia, a sociologia e a antropologia do sertão, além de narrar a épica resistência dos habitantes de Canudos. A obra caracteriza o litoral brasileiro como uma cadeia de civilizações, em contraste com um interior que permanecia mais primitivo e incompreendido.
Os Sertões não é apenas um relato factual; é uma profunda reflexão sobre a formação do Brasil, influenciada pelo Naturalismo e pelas ideias darwinistas de sua época. Euclides da Cunha utilizou a sua bagagem científica e literária para criar um texto que combina rigor documental com um estilo literário vigoroso, muitas vezes poético e dramático. A obra se tornou um best-seller e logo ganhou reconhecimento internacional.
O impacto e o legado de Os Sertões
O legado de Os Sertões é imenso e duradouro. A obra foi traduzida para o inglês por Samuel Putnam em 1944, com o título Rebellion in the Backlands, e continua sendo reimpressa. Recebeu elogios de figuras literárias proeminentes como Robert Lowell, que a considerou superior a Tolstói, e Jorge Luis Borges, que a mencionou em seu conto “Três Versões de Judas”. O livro também serviu de inspiração para o personagem do jornalista na aclamada obra A Guerra do Fim do Mundo, de Mario Vargas Llosa.
Além de seu valor literário e histórico, Os Sertões consolidou-se como uma das mais importantes análises sobre a identidade brasileira. A forma como Euclides da Cunha descreveu a terra, o homem e a luta dos sertanejos contra um Estado que não os compreendia, abriu caminho para uma nova percepção do país. Essa perspectiva crítica e profunda influenciou gerações de escritores, sociólogos e historiadores, moldando a compreensão do Brasil e de seus múltiplos Brasis, muito além da visão da cultura brasileira litorânea.
Euclides da Cunha: de expedições a cátedras acadêmicas
O reconhecimento da genialidade de Euclides da Cunha não tardou a chegar. Em 1903, foi eleito para a cadeira número 7 da Academia Brasileira de Letras, ocupando-a até sua morte em 1909. No mesmo ano, tornou-se membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, consolidando sua posição entre os grandes intelectuais do país.
Sua expertise como engenheiro e geógrafo também foi requisitada em projetos de grande envergadura. Em 1904, Euclides da Cunha foi nomeado chefe de uma expedição conjunta brasileiro-peruana para demarcar a fronteira entre os dois países. Esta jornada o levou pelo Rio Purus, uma região remota e intensamente explorada pelos seringueiros. As experiências dessa expedição resultaram no ensaio “Os Caucheros”, que descreve o arquetipo do seringueiro, e em grande parte do conteúdo de À Margem da História.
A historiadora Susanna B. Hecht, em The Scramble for the Amazon and the Lost Paradise of Euclides Da Cunha, aponta Carlos Scharff, um barão da borracha do Rio Purus, como o modelo para o “Rei da Borracha” descrito por Euclides da Cunha. Em 1909, ano de seu falecimento, foi admitido como presidente e professor de Lógica no Colégio Pedro II, uma prestigiada escola secundária pública no Rio de Janeiro.
Essa diversidade de papéis – de correspondente de guerra a engenheiro de fronteiras e professor – demonstra a amplitude de seus talentos e interesses, características que o aproximam de outros grandes pensadores brasileiros de sua época.
A vida pessoal e o trágico fim de Euclides da Cunha
A vida pessoal de Euclides da Cunha foi tão intensa e dramática quanto a própria história que ele narrou em Os Sertões. Casou-se com Ana Emília Ribeiro, filha do major Sólon Ribeiro, em 1890, e juntos tiveram cinco filhos. Contudo, seu casamento foi marcado por uma tragédia pessoal.
Ana Emília teve um caso com Dilermando de Assis, um jovem tenente do Exército. Em 15 de agosto de 1909, após descobrir o relacionamento, Euclides da Cunha foi à casa de Assis com a intenção de confrontá-lo. Em um desfecho fatal, ele atirou em Dilermando e em seu irmão Dinorah, sem conseguir matá-los. Dilermando, por sua vez, revidou e atirou em Euclides da Cunha quando este já se afastava da casa, resultando na morte do escritor.
Euclides da Cunha tinha apenas 43 anos. O caso gerou um grande escândalo e dois julgamentos. A questão central era se Dilermando havia assassinado um homem em fuga e sem munição, ou se Euclides ainda representava uma ameaça, o que configuraria legítima defesa. O júri, no final, decidiu pela segunda versão, e Dilermando de Assis foi absolvido.
Esse episódio trágico, conhecido como a “tragédia da Piedade”, adicionou um véu sombrio à biografia de um dos mais importantes pensadores do Brasil. Similar a outros gênios que tiveram finais melancólicos, como Edgar Allan Poe, o destino de Euclides da Cunha não diminuiu a grandeza de sua contribuição intelectual.
O legado de Euclides da Cunha transcende o fim dramático de sua vida. Sua obra, em especial Os Sertões, permanece como um pilar da literatura e do pensamento sociológico brasileiro, oferecendo uma compreensão profunda das complexidades da nação. A sua capacidade de aliar a análise científica a uma prosa envolvente e a sua coragem em desvendar as realidades mais duras do Brasil asseguram seu lugar como uma figura imortal no panteão dos grandes escritores e poetas do país, cujo trabalho continua a inspirar e a provocar reflexões sobre a identidade nacional.
Referências
Britannica. Euclides da Cunha. Disponível em: https://www.britannica.com/biography/Euclides-da-Cunha Wikipedia. Euclides da Cunha. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/EuclidesdaCunha
Perguntas frequentes
Euclides da Cunha (1866-1909) foi um engenheiro militar, jornalista, historiador e ensaísta brasileiro. Sua obra-prima, *Os Sertões*, publicada em 1902, é um relato não ficcional da Guerra de Canudos, detalhando as condições geográficas, sociais e culturais do sertão brasileiro e o conflito entre o governo e os seguidores de Antônio Conselheiro.
*Os Sertões* é considerada uma das obras fundamentais do pré-modernismo brasileiro. Influenciada pelo Naturalismo e pelo Darwinismo, a obra caracteriza o litoral do Brasil como civilizado e o interior como mais primitivo, oferecendo uma análise profunda e crítica da formação social e cultural do país, além de um registro histórico da Guerra de Canudos. O livro foi um dos favoritos de Robert Lowell e comentado por Jorge Luis Borges.
Sim, Euclides da Cunha teve uma vida multifacetada. Ele atuou como engenheiro militar, foi correspondente de guerra para o jornal *O Estado de S. Paulo* durante a Campanha de Canudos e, em 1903, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras e para o Instituto Histórico e Geográfico. Também participou de uma expedição conjunta Brasileiro-Peruana para demarcar fronteiras no rio Purus e, em 1909, foi professor de Lógica no Colégio Pedro II.
Euclides da Cunha faleceu tragicamente em 15 de agosto de 1909, aos 43 anos, no Rio de Janeiro. Ele foi morto por Dilermando de Assis, um jovem tenente do Exército, que era amante de sua esposa, Ana Emília Ribeiro. O escritor foi atingido a tiros ao confrontar Assis em sua residência, em um episódio que gerou grande repercussão na época.
Perfil
Euclides da Cunha
Falecimento: 15 de agosto de 1909 – Piedade, Rio de Janeiro, Brasil
Causa da Morte: Assassinato em conflito pessoal.
